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Solidao no Exterior

Atualizado: 30 de mar. de 2022

Solidão. Esse sentimento tão genuinamente humano, mas que ao mesmo tempo nos traz tantas dores, medos e angústias. Todos os dias nós tomamos decisões que vão impactar para sempre quem nós somos e como nós somos no mundo. Algumas vezes só tomamos decisões mais simples, como o que comer no jantar, e em outros momentos aparecem situações que fazem com que tenhamos que tomar decisões um pouco maiores e que podem mudar de maneira muito mais drástica o rumo da nossa vida. Morar fora, por exemplo, às vezes é uma oportunidade que aparece para algumas pessoas e elas tem que refletir sobre muitos pontos antes de tomar a decisão de irem viver em um novo país. Deixar amigos e familiares para trás, ter segurança sobre a língua desse novo país, entrar numa nova cultura com costumes tão diferentes dos nossos e a própria solidão.


A solidão que enfrentamos morando lá fora é um pouco diferente daquela que enfrentamos quando estamos sozinhos em casa. Por que quando estamos em casa, ainda podemos ir na rua, na padaria e sempre ter contato com o nosso idioma, ver coisas que nos são muito familiares, conversar com desconhecidos... Quando se mora no exterior, todas as nossas referências se perdem e ficamos um pouco sem chão. Chamamos esse fenômeno de despersonalização, que é quando perdemos a nossa personalidade: é como se você se olhasse no espelho e não reconhecesse aquilo que você está vendo. A solidão que a gente enfrenta lá fora também tem muito a ver com a falta daquilo que nós deixamos para trás. Todos deixam coisas para trás, mas quando se vai para longe, é um pouquinho diferente. E para muitos é fácil de compreender que esse sentimento de saudade que vem não é ruim, apenas faz parte da nossa compreensão humana. Mas ainda assim dói, e alguns fatores fazem com que essa dor seja um pouquinho mais dolorida.



O sentimento de ser um "estranho no ninho" pode fazer com que todo o processo de mudança seja muito mais difícil, afinal, mesmo que falemos de maneira fluente o idioma do país novo, por exemplo, tem uma série de trejeitos, gírias, formas de falar que são muito característicos do povo que vive ali, das pessoas que desde que nasceram vivem naquele ambiente. Isso faz com que seja difícil criar laços e se desapegar um pouco desse sentimento de ser um estranho. Pensar no aqui e agora é uma das coisas mais importantes para viver esse momento de maneira mais saudável: é bom sempre lembrarmos o que nos fez tomar essa decisão, por que estamos ali, quais as recompensas.


Talvez o ponto mais forte desse processo de despersonalização seja a inexistências de referências. Têm coisas da nossa vida, no nosso país nativo, que nós não nos pegamos pensando sobre, e que só percebemos o quão fundamental é quando perdemos. Se você está numa roda de desconhecidos, por exemplo, sempre tem alguma coisinha que facilite na hora de puxar conversa. Sabe aquele desenho animado que passava no canal de TV que todo mundo assitia? E aí vira uma tradição de todas as crianças daquela geração almoçarem e antes de irem para o colégio, assistir aquele desenho? Ou então aquela música que foi um chiclete da sua adolescência e que todo mundo sabia cantar, mesmo num inglês errado? Ou as bandas nacionais que fizeram parte da nossa infância e adolescência que todo mundo sabia fazer as dancinhas. Essas coisas, por mais bobas que pareçam, formam as nossas referências, formam a nossa personalidade, aquilo que faz com que sejamos parte daquele grupo social. E quando você está no ponto de ônibus, na fila do supermercado ou em qualquer outro lugar, às vezes rola ver uma referência e a pessoa do seu lado comentar, então você troca meia dúzia de palavras com aquele indivíduo. Todas essas sutilezas do nosso cotidiano são fundamentais para que mantenhamos a nossa personalização intacta. Quando você está fora, não tem essas referências, essas sutilezas do dia a dia - o sotaque diferente que você sabe que a pessoa é de tal estado pela forma que ela fala, ou uma gíria que é de um grupo muito especifico de pessoas, e que mesmo que você não faça parte daquela tribo, conheça. Todas essas coisas se perdem e é nas sutilezas que a dor da saudade e a dor daquilo que deixamos para traz, aperta mais.


O clima também é uma outra coisa que pega muito. Nós que moramos num país tropical e estamos extremamente acostumados a ter sol em todos os momentos do ano, quando vamos para fora, especialmente em países cujas estações do ano são mais bem definidas, ou então países com invernos muito prolongados, se sente muito mais. Como eu já falei em alguns posts no meu perfil no Instagram, o sol é o nosso maior aliado na prevenção de diversos problemas, entre eles a depressão. Tomar 15 minutinhos de banho de sol todo dia traz benefícios inimagináveis. E quando perdemos esse banho de sol, o nosso corpo, o nosso biológico, sente tanto quanto o nosso mental e deixamos de produzir uma série de neurotransmissores, assim como temos quedas em algumas vitaminas, e inevitavelmente começamos ter alguns sintomas que batem no mental. Da mesma forma, todas essas "neuras" e problemas emocionais da nossa cabeça, conforme vamos acumulando e não conseguimos muito bem lidar com eles, não temos com quem falar, essas coisas começam a serem somatizadas. Somatização é quando problemas emocionais, sentimentos muito acentuados, ficam tão fortes que começam a nos dar sintomas físicos, que achamos que pode ser uma doença, um problema físico, mas na verdade as origens são puramente emocionais.


Por isso é muito importante tentar o máximo possível manter alguma ligação com o seu país de origem, seja fazendo videochamadas frequentes com seus amigos e familiares ou mantendo a sua casa, o seu ambiente, o mais tradicional possível. A culinária também é um ponto muito forte, por que como eu falei da questão da diferença cultural, a gastronomia entra nisso. Têm pessoas que não conseguem simplesmente comer em outros países de tao diferente que é, então manter essa tradição de fazer comidas tipicamente da sua região na sua casa, fazem que você tenha esse gostinho da sua vida anterior. Mas, você também não pode ficar totalmente apegado ao país de origem: é preciso encarar a realidade de que você tomou essa decisão de ir para um novo país. E como que faz para ter uma vida melhor emocionalmente? Bom, criar laços é o melhor caminho e por mais difícil que seja, é necessário.


A primeira coisa que você precisa pensar é que criar laços pode ser mais ou menos difícil de acordo com a cultura que você está vivendo. Têm países em que as pessoas realmente são mais reservadas, mais fechadas, não são tão sociáveis quanto nós, e então temos que entender que essa é uma característica dessas pessoas e que cada um faz laço da sua maneira. Mas se familiarizar com o idioma, e eu digo o idioma das ruas, é um passo muito importante para você se sentir um pouquinho mais pertencente a esse novo espaço. Aprender gírias, sotaques, formas de falar, expressões, palavrões, essas coisas que normalmente não aprendemos nos cursos. Isso faz com que você fale e escute de uma maneira muito mais natural, e entenda trocadilhos que às vezes uma rodinha de amigos ou colegas de trabalho riu e você antes não entendia. Independente da forma que escolha para criar laços, seja indo em baladinhas ou sociais da sua nova terra ou então fazendo amizades com pessoas do seu trabalho ou do lugar em que você estude, criar laços sociais é o que faz com que você receba de novo aquele sentimento de pertencimento. Por que é através do outro que nos sentimos pertencentes a algum lugar.


Mas acima de tudo, independente do que você esteja sentindo, se a sua adaptação está sendo boa ou não, se você está sofrendo de muita saudade ou nem tanto, tem uma premissa que é aquilo que eu falo para todo mundo levar pra vida: respeite o seu tempo. Se escute. O seu corpo fala com você, ele é a "melhor pessoa" para te dar os sinais sobre como está a sua saudê mental, e ela é o mais importante. Você pode fazer exercícios físicos, se alimentar, ter um ótimo emprego, uma otina casa, morar no país que sempre quis, mas se a sua saudê mental não estiver boa, nada disso vai dar frutos: você vai continuar deprimido, triste, tendo acessos de choro e não vai conseguir usufruir de todas as coisas que conquistou. Então, se sentir necessidade, não tenha medo, procure um terapeuta, hoje em dia a terapia por videochamada ela é regulamentada pelo conselho federal de psicologia, procure um terapeuta que seja da sua nacionalidade, assim é mais uma forma de você conseguir matar um pouquinho da saudade de falar, de conviver com pessoas da sua origem. Além disso, um terapeuta da mesma nacionalidade que você vai entender seus dramas e coisas que você perdeu, facilita o processe.


Por fim, não tenha medo de desistir, ao contrário do que algumas pessoas dizem por aí, desistir não é sinal de fraqueza. Em várias situações precisamos desistir de algumas coisas para podermos ganhar qualidade de vida. Às vezes achamos que estamos preparados para viver uma nova experiência, para ter um novo modo de vida, e vemos que não estávamos, e ta tudo bem, essas coisas acontecem. Acredito que desistir é um sinal de maturidade e de autocuidado muito grande: você tentou fazer uma coisa nova que achou que daria conta e no final das contas viu que não daria, seja emocionalmente, seja por questões práticas. Enfim, independente do motivo, se respeite e está tudo bem se você não quiser mais ficar no lugar em que está. Você pode voltar atrás e com certeza terá pessoas que vão te apoiar na sua decisão, o importante é no final das contas estar bem, consigo mesmo especialmente.

 
 
 

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